O mercado de trabalho continua em ritmo acelerado em suas transformações e adaptações, impulsionado por uma gama de fatores tecnológicos, sociais e econômicos. À pandemia, sem dúvida, acelerou muitas dessas mudanças, mas a tendência para a flexibilidade nos formatos de trabalho já estava em curso bem antes de 2020 e esta transição de uma ambição tradicional para uma valorização da flexibilidade, está redefinindo o cenário profissional hoje.
Historicamente, o sucesso profissional era frequentemente medido por critérios claros e tangíveis: posição hierárquica, salário, e a estabilidade de um emprego de “carreira para toda vida”. Essa ambição “tradicional” guiava muitos de nós em suas escolhas de carreira, incentivando um caminho linear que envolvia ascensão constante no organograma. A dedicação ao trabalho e longas horas no escritório eram vistas como marcas de compromisso e determinação – e que atire a primeira pedra quem nunca fez o trocadilho infame de perguntar se alguém estava desmotivado por, simplesmente, sair do trabalho no horário exato para isto.
No entanto, as últimas décadas trouxeram uma mudança significativa na forma como valorizamos e estruturamos nosso trabalho. A tecnologia desempenhou um papel crucial nessa transição, com avanços na comunicação digital facilitando novas formas de trabalho remoto e flexível. Além disso, uma crescente conscientização sobre a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional incentivou muitos a repensar suas prioridades de carreira.
A flexibilidade no trabalho não se refere apenas ao local ou às horas de trabalho, mas também à capacidade de moldar uma carreira que se alinhe mais diretamente com os valores pessoais, interesses e responsabilidades fora do trabalho. Isso inclui a possibilidade de mudar de carreira, de trabalhar em projetos variados e de integrar períodos de descanso, educação, esportes, hobbies e cuidados com a saúde.
Da minha posição como consultor de cultura organizacional e da minha observação diária em trabalhos com clientes e seus colaboradores observo 3 grandes fatores impulsionadores desta mudança:
1. Novas expectativas A entrada das gerações mais jovens, como os millennials e a Geração Z, no mercado de trabalho trouxe novas expectativas. Essas gerações tendem a valorizar a flexibilidade e o propósito no trabalho mais do que as gerações anteriores, buscando empregos que lhes permitam integrar seus interesses pessoais e preocupações sociais com suas atividades profissionais. Se para nós e os nossos pais trabalho aparecia antes da vida pessoal, para as novas gerações as duas coisas devem andar juntas;
2. O papel da tecnologia A tecnologia não apenas facilitou formas flexíveis de trabalho, mas também criou novas indústrias e oportunidades de carreira. O crescimento do setor de tecnologia, economia gig, e plataformas de oferta de serviços autônomos permitem às pessoas trabalhar de qualquer lugar, a qualquer hora, redefinindo o que significa estar “no trabalho”. E aqui entre nós, a reunião que poderia ter sido um email (ou zap) não entra na cabeça das pessoas – com toda a razão;
3. Pressões econômicas Crises econômicas, como a recessão global de 2008 e a pandemia de COVID-19, mostraram a vulnerabilidade das carreiras tradicionais. Muitos viram a flexibilidade não apenas como uma preferência, mas como uma necessidade para se adaptar a um mercado de trabalho incerto. Não existe mais garantia de emprego e os layoffs cada vez mais seguidos deixam a tal “lealdade” a empresa ainda mais em julgamento público.
As empresas estão respondendo a essas mudanças de várias maneiras. Algumas estão adotando políticas mais flexíveis para atrair e reter talentos, enquanto outras estão explorando como a inteligência artificial e a automação podem complementar o trabalho humano e assim conseguir mais “fôlego” de produtividade e margem para fazer frente às novas demandas dos profissionais – bons sinais.
Para os trabalhadores, essa transição oferece tanto oportunidades quanto desafios. Por um lado, a flexibilidade pode levar a uma maior satisfação no trabalho e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Por outro lado, pode também resultar em maior incerteza e falta de segurança na carreira, além de enfrentarem os pré- conceitos de líderes que insistem em não evoluir junto com o mundo e a sociedade.
A mudança do foco na ambição tradicional para a valorização da flexibilidade simplesmente reflete uma adaptação necessária às novas realidades da nossa sociedade. Ela oferece muitas oportunidades, mas também requer uma reavaliação de como estruturamos nossas carreiras e nossas vidas. À medida que avançamos, será essencial que tanto empregadores quanto empregados continuem a dialogar e a inovar para criar um ambiente de trabalho que atenda às nossas novas demandas. Algo tipo teoria dos jogos, onde o melhor negócio é aquele onde todos ganham. Vamos trabalhar para isto.